Tupananchiskama

Tomei conhecimento, há pouco tempo, de uma expressão rica e muito bonita da vida língua indígena Quechua, “Tupananchiskama”, que significa “até a próxima vez”, ou, numa tradução mais literal, “até que voltemos a nos encontrar”.

Eu me identifico muito com essa expressão, e passei a adotá-la quase que imediatamente, nas diversas situações da vida.

Muito se fala hoje dos relacionamentos líquidos, a partir dos conceitos de Zygmunt Bauman, como sendo aqueles considerados superficiais, em que não há envolvimento das partes. Eu tenho uma visão particular sobre isso. Na vida moderna, somos chamados a encontros diversos, mais ou menos profundos, mais ou menos frequentes. Nesse contexto, uma coisa que eu tenho como certa é que a profundidade do relacionamento não é uma questão de tempo. Há pessoas com quem mantemos relacionamentos superficiais, embora dure toda uma vida, enquanto com outras seja possível estabelecer vínculos profundos em um curto espaço de tempo. 

Nas trilhas e travessias isso acontece com frequência. Estabelecemos relacionamentos rápidos e profundos, mas que se vinculam àquele espaço, àquela circunstância. Numa travessia passamos o dia todo juntos, dormimos em quartos compartilhados, caminhamos muitos quilômetros, em que muitas vezes contamos e ouvimos muitas histórias, dividimos pensamentos e reflexões sobre a vida. Conhecemos as limitações do outro, ajudamos e somos ajudados, partilhamos recursos que vão desde comida até um medicamento ou bandagem que vai ajudar alguém que formou uma bolha no pé ou está com uma dor inesperada no joelho. Lutamos para que alguém não desista, e que siga conosco até o fim, mesmo no final de suas forças. Compartilhamos os pesos das mochilas, e muitas vezes alguém carrega a do outro, que está mais frágil naquele momento. 

É, sem dúvida, um vínculo que se estabelece de uma forma densa, emocional e intensa. Arrisco dizer que é mais do que vemos em muitas relações românticas e familiares. Contudo, sabemos que as amizades de trilha, na maioria das vezes, ficam na trilha, ou nos programas agregados. Muitas vezes estendemos essas relações a uma saída pós-trilha, um cine-debate sobre travessias, um encontro para tomarmos vinho e falarmos das próximas caminhadas, ou encontros presenciais e online para compartilharmos informações sobre as travessias que desejamos e pretendemos fazer. Há até um grupo que compartilha conhecimento sobre planejamento financeiro para que possamos investir mais recursos em travessias. 

No próximo percurso, encontramos muitos rostos, alguns novos, outros já conhecidos de outras trilhas. Voltamos a conversar, compartilhar experiências, dicas e suportar juntos todos os perrengues. Até que, no final, nos despedimos, dizendo “até a próxima trilha”.

Assim também é na nossa vida. Há muitos relacionamentos que são extremamente profundos, mas ligados a um determinado contexto: um colega de trabalho com quem compartilhamos lutas, projetos e ideais profissionais, com grande envolvimento e confiança recíprocos, mas com quem pouco compartilhamos de suas vidas. Não podemos afirmar que seja um relacionamento superficial porque não se estende a outros campos. Podemos dizer que não é extenso, no sentido de que não ocupa um grande território da vida, mas que é extremamente rico e profundo naquilo a que se destina.

Como nos ensina poeticamente Vinícius de Moraes, a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida. Encontros que nos marcam de forma profunda, e que se prolongam, de forma intensa e intermitente. Hoje, posso dizer que são os meus prediletos. Esses encontros em que não há cotidiano, mas também não há adeus, apenas até logo, ou, como dizem os Quechua, em sua grande sabedoria “até que voltemos a nos encontrar”.

Tupananchiskama!

Até a próxima!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *