A boneca viajante

Nesta semana eu li uma história que me chamou muita atenção.

Um ano antes de sua morte, Franz Kafka, o alemão que é considerado um dos escritores mais influentes do século XX, responsável por títulos célebres como “A Metamorfose” e “O Processo”, viveu uma experiência muito especial.

Conta-se que o escritor, enquanto passeava pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina que chorava. Ao perguntar-lhe a razão, soube que ela havia perdido sua boneca.

Kafka compreendeu o sofrimento da criança e ofereceu sua ajuda para encontrar a boneca. Combinou um encontro com ela no dia seguinte, no mesmo lugar.

No dia seguinte, ele não trouxe a boneca, nem uma outra para ocupar o seu lugar. O que ele fez foi escrever uma carta como se fosse a boneca, que leu para a menina quando se encontraram. A carta dizia: “Por favor, não chore por mim, parti numa viagem para ver o mundo.

E a história não acabou aí. Durante várias semanas, Kafka entregou à menina outras cartas que contavam as aventuras da boneca em várias paisagens por todo o mundo: Londres, Paris, Madagascar e muitos outros. Com isso, a menina esqueceu a tristeza, e passou, ela mesma, a sonhar em viver muitas aventuras, assim como a boneca viajante.

No fim, Kafka presenteou a menina com uma outra boneca, que, como não poderia deixar de ser, era bem diferente da boneca original.

Uma última carta da boneca explicava a mudança: “minhas viagens me transformaram…”.

Anos depois, a garota encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta.

O bilhete dizia:

“Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”.

 

Essa história nos ensina grandes lições. A primeira delas é a empatia. Ao invés de considerar o sofrimento da criança um mero capricho infantil, o escritor compreendeu e levou a sério a dor da criança, tratando-a, ao mesmo tempo, de forma lúdica.

A segunda lição é a criatividade, que dá asas à imaginação. A solução mais fácil seria simplesmente comprar uma nova boneca para a criança, o que teria sido muito simples e satisfatório. As cartas, contudo, inspiraram algo muito maior, criando para aquela menina um novo mundo, muito mais amplo, em que ela passou a viajar junto com aquela boneca.

E aí vem a terceira lição: o comprometimento. Kafka manteve o vínculo com a menina durante meses, com encontros periódicos e cartas elaboradas, narrando as aventuras da boneca mundo afora. Exercitou a imaginação, descrevendo cenários que provavelmente conhecia e criando experiências para a boneca naqueles lugares. Manteve-se firme nesse propósito durante todo esse tempo.

E a solução final foi perfeita: o retorno da boneca, transformada, deu o fechamento ideal para a história e para essa relação que a essa altura envolvia os três, Kafka, a menina e a boneca. Um fechamento que abriu novas portas para a mente daquela criança, modificada por essa experiência inesquecível e encantadora.

Que essa história nos inspire a ir além do óbvio, a voar nas asas da imaginação e trazer uma porção generosa de cor e alegria a uma vida muitas vezes tão sombria. Com certeza fará toda a diferença!

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