90 segundos para o fim do mundo

No final de janeiro de 2023 circularam várias imagens e notícias que se referiam a um grande relógio, que marca, de forma simbólica, o tempo restante até o fim do mundo, o chamado “Juízo Final”. De acordo com essas notícias, a humanidade estaria a apenas 90 segundos do seu final.

Trata-se de uma iniciativa que, embora pouco conhecida, não é nova. Tudo começou logo após a segunda guerra mundial, quando todos estavam muito assustados com os rumos e as dimensões que o conflito tomou, com ações que levaram ao genocídio de grupos diversos como judeus e ciganos, além de pessoas com deficiência e homossexuais. Também causou grande terror a utilização de instrumentos dotado de tecnologia para a destruição em massa, notadamente as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, que trouxeram uma nova dimensão à guerra e acabaram por encerrá-la.

Mesmo com todas as tentativas de reconstrução da paz, seguiu-se um cenário de ressentimentos e divisão, com destaque para a Guerra Fria, que dividiu o mundo entre dois blocos principais. Parecia iminente a deflagração de um conflito armado de grandes proporções. Enquanto isso não acontecia, alianças eram construídas e os rivais desenvolviam tecnologia armamentista cada vez mais avançada. Já se sabia que os lados do conflito tinham armamentos poderosos o suficiente não apenas para vencer o inimigo, mas para aniquilar todo o planeta Terra.

Com toda a vida do planeta nas mãos dos senhores da guerra, buscou-se um mecanismo para alertar as pessoas do risco que corriam, e ao mesmo tempo conscientizar os líderes, de forma a minimizar esse risco. Foi desenvolvido, então, um relógio, que simbolizava o quão próximos estaríamos da extinção: quanto mais perto da meia-noite, mais próximos estaríamos da extinção.

A contagem foi aberta em 1947, há 76 anos. Foi, então, feita, por meio do relógio, uma representação gráfica de ameaças de origem antropogênica (ou seja, provenientes dos seres humanos) que nos aproximam da ‘destruição total e catastrófica’ da humanidade, que ocorreria quando o relógio bater exatamente meia-noite.

Na ocasião, foi fixada em 7 minutos para a meia-noite. Desde então, os conflitos, a tensão nuclear entre as superpotências e os acontecimentos desencadeados pelo mundo fizeram variar esse número, que nunca deixou de ser preocupante.

O Conselho de Ciência e Segurança, através do Boletim de Cientistas Atômicos da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, é o encarregado de mover os ponteiros desse relógio em particular, e para isso levam em consideração diferentes tipos de perigos.

Todos os anos, o Conselho convoca duas reuniões com 18 especialistas em diferentes áreas: ameaças biológicas, diplomacia, ciência nuclear, mudança climática, história militar e tecnologias disruptivas (como a nanotecnologia, que pode causar danos irreparáveis), onde debatem sobre as ameaças atuais que a humanidade enfrenta.

No dia 24 de janeiro de 2023, foi registrado o menor índice desde então: 1,5 minuto para a meia noite. A declaração emitida pelo Boletim de Cientistas Atômicos descreveu este momento na história como “um momento de perigo sem precedentes”.

As questões ambientais, como o aquecimento global, as notícias sobre novas pandemias ou agravamento das já existentes, e sobretudo o recrudescimento dos conflitos existentes no mundo, em especial a Guerra da Ucrânia, motivaram o estabelecimento desse novo e preocupante recorde.

Embora seja simbólico, o relógio chama a atenção para as escolhas tomadas pela humanidade e as consequências que acarretam. É nítido que, mantendo essas escolhas, estaremos caminhando para o nosso próprio fim.

Quando se escolhe fechar os olhos para a imensa devastação do planeta, para a destruição dos ecossistemas, a extinção de diversas formas de vida e o comprometimento acentuado dos mananciais de água. quando se vivem, reiteradamente, desastres socioambientais de grandes proporções, promovidos ou facilitados pelos donos da riqueza e do poder. Quando se vive uma intensa crise humanitária, marcada pela xenofobia e pelo desprezo aos povos tradicionais. Quando se naturaliza a fome e a miséria, e todos se acostumam a ver milhões de pessoas em situação de absoluta indignidade. Quando se privilegia e acirra a guerra, individual e coletivamente, favorecendo uma escalada de conflitos que nos afasta cada vez mais da paz. Quando os conflitos invadem os lares, as escolas, as famílias, os grupos de amigos e transformam a convivência social em um constante risco, torna-se claro que a humanidade se perdeu de si mesma, e muito pouco falta para que esse processo se torne irreversível.

Espero que esse relógio possa trazer uma reflexão sobre todos esses perigos que a humanidade causa a si mesma, tornando-se o maior risco que nós e o planeta podemos enfrentar. E que possa inspirar as mudanças tão necessárias para que possamos mudar o rumo, ajustar o relógio e perceber que, mais do que nunca, é a hora da mudança.

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