Hoje eu amanheci pensando na história que deu origem a um livro, que depois se transformou num filme, hoje bastante conhecido: O menino do Pijama Listrado.
O livro conta a história de Bruno, filho de um soldado alemão destacado para trabalhar em um campo de concentração, numa das altas patentes. Ele teve que ir e levar toda a família (esposa e dois filhos. O lugar ficava numa zona rural, e os meninos tinham várias restrições. Bruno ficou logo entediado e fugiu de casa para explorar o mundo ao redor. Foi para além dos jardins de sua casa, o limite que lhe era permitido, e encontrou uma cerca de arame farpado, que era onde ficava o campo de concentração. Acabou conhecendo e fazendo amizade com um dos meninos que morava lá, de nome Samuel. Bruno passou a ir até lá e eles passavam horas conversando pela cerca. Ficaram realmente amigos, e compartilhavam suas histórias. Via-se que Bruno não tinha noção do que estava acontecendo por ali, tanto que perguntou a Samuel por que eles passavam o dia com aqueles pijamas listrados. Até que um dia Samuel estava mais preocupado e triste do que o normal, porque seu pai havia desaparecido. Ele queria fazer um esforço para encontrá-lo, e Bruno se propôs a ajudá-lo. Samuel aceitou a ajuda, e eles combinaram que ele retornaria no dia seguinte. Samuel arrumou uma farda para que ele pudesse entrar, e um boné para cobrir seus cabelos, já que no campo todos tinham o cabelo raspado, e iriam estranhar o belo corte de cabelo dele. Fizeram como combinado, mas se depararam com um imprevisto. Naquele dia os soldados levaram todos para um “banho”. Bruno acompanhou o amigo Samuel, e acabou morrendo com ele na câmara de gás, para desespero de seus pais.
Penso que, para além da linearidade da história contada, que já é, por si só, muito impressionante, o livro nos leva a grandes reflexões e mesmo algumas metáforas.
Bruno era um menino normal, que vivia em seu mundo, aquela fazenda e os jardins para onde foi levado por seus pais. Era o seu mundo seguro, confortável, e ele podia continuar ali indefinidamente, como sua irmã. Mas ele preferiu não se limitar por aquelas fronteiras, e foi explorar o que havia além dos seus limites. Quando o fez, conheceu algo que, a princípio, não foi capaz de compreender, por estar completamente fora de seu conhecimento e de sua lógica. Abriu-se a essa nova realidade, e abraçou-a. Passou a ser o que havia de mais importante para ele. Samuel se tornou o seu amigo, seu irmão. Diante disso, não poderia ficar indiferente. Abraçou a vida e a luta dele, entrou com ele onde vivia e seguiu com ele para o supremo sacrifício.
Certos caminhos que tomamos na vida não têm volta. Não podemos retornar ao ponto de onde saímos. Bruno teria condições de voltar para casa, para o seu antigo lar, após a morte de Samuel, como se nada tivesse acontecido? Viver a antiga vida de antes? Esse é o simbolismo do filme: quando descobrimos algo maior do que nós, o que éramos antes precisa morrer, para dar lugar ao novo. Como disse Einstein, uma mente que se abre para uma nova ideia não pode retornar ao tamanho original.
Temos vários “eus” dentro de nós. A psicologia estuda e explica cada uma dessas figuras. Samuel também era Bruno, algo que fazia também parte dele, de sua alma. E quando Samuel passou a existir, o Bruno então conhecido morreu. Samuel o conduziu nesse processo. Foi o responsável pelas descobertas e pela morte do Bruno que existia. E Samuel também precisou morrer, porque ele também não poderia viver. Metaforicamente, o que deve surgir daí é algo completamente novo, fruto dessa experiência e dessa descoberta, que não se confunde com nada do que já existia
A morte nada mais é do que uma ilusão. Na verdade, morremos várias vezes durante a nossa vida, e renascemos ainda mais vezes.
O nosso maior desafio é encontrar o novo eu que vai surgindo ao longo das experiências de nossa vida. Não retornamos a ser o que éramos após essas experiências. Um novo eu surge, deixando para trás o antigo eu, ocupando o seu lugar.
Como Bruno jamais voltou para casa, nenhum de nós retorna ao antigo lugar. Não há um retorno. Vamos àqueles antigos lugares, pela primeira vez. Encaramos aqueles lugares, aquelas pessoas, aquela rotina, com outros olhos, renovados, pela primeira vez. Tudo novo, diferente. E é bom que seja.
Aos poucos, vamos descobrindo quem somos, como nos sentimos, e o que somos capazes de fazer com os espaços e relações que temos e com os que construirmos. Devemos nos permitir viver essas descobertas, dar e tirar o melhor delas.
Precisamos e merecemos, desse recomeço!
Abracemos essa oportunidade, e estejamos prontos para ela.