Quando eu era ainda adolescente, conheci uma história da filosofia oriental que me marcou muito, e da qual sempre me lembro, em momentos diversos da minha vida, por diferentes razões.
É a história de dois grandes amigos, que eram como irmãos. Criados juntos desde a infância, era inseparáveis. Quando foram ficando jovens, quase adultos, resolveram, como era costume na época, visitar um sábio para saber o que seria o seu destino. Subiram uma alta montanha e cada um teve uma entrevista individual com ele. Ao primeiro, o sábio disse que estava em seu destino ser rei, e ter muito dinheiro e poder. Ao segundo, uma notícia bem mais triste: em um ano seria assassinado. Ele disse, ainda, que o destino dos amigos deveria se cumprir no prazo de um ano
Os dois saíram de lá bastante impressionados, cada um a seu modo.
O primeiro estava exultante. Começou a se comportar como rei, a princípio com alegria e festa. Em pouco tempo, contudo, a soberba tomou conta dele. Espalhou a todos a notícia, e começou a gastar e a se portar como rei, distribuindo bens que ainda não existiam e sentenças de morte fictícias aos que lhe fizessem as vontades ou lhe desagradassem. Ao amigo, que muito estimava, dizia que se pudesse usaria seu poder de rei para evitar a morte.
O segundo, por sua vez, também se modificou com a previsão. Procurou muitas pessoas a quem ele havia tratado de forma rude e injusta, se desculpou e promoveu as necessárias reparações. Procurava passar mais tempo com os seus entes queridos e amigos. Tornou-se mais contrito, e ao mesmo tempo mais amável, mais benevolente. E tratava a todos com atenção.
O que não mudou é que eles continuavam inseparáveis. Um tempo depois do que aconteceu fizeram nova viagem juntos, sempre conversando bastante. Os dois se gostavam muito mesmo, e cada oportunidade de estar juntos era sempre motivo de alegria, não importam as circunstâncias.
Num determinado momento da viagem, o amigo que seria rei encontrou um saco de dinheiro. Ficou muito alegre, e dizia que já era um prenúncio do futuro brilhante que viria. Falou tão alto e com tanto entusiasmo que atraiu a atenção de assaltantes, que os emboscaram num ponto mais adiante da estrada. O amigo que morreria achou que, tendo em vista o destino previsto, de sua breve morte, não poderia hesitar em defender o amigo, e enfrentou os assaltantes, tendo sofrido um grande golpe de espada, que lhe rendeu uma grande cicatriz e um período de recuperação. O dinheiro foi perdido.
O tempo passou e nada mais aconteceu. Intrigados, os dois voltaram a procurar o sábio, para saber por que a previsão ainda não se cumprira. Dessa vez, atendeu conjuntamente os dois, e lhes disse: O destino não é inexorável. Ele está constantemente sendo escrito e revisto. O que está previsto pode ser mudado. No caso do primeiro amigo, que deveria ser rei, sua soberba foi tamanha que deixou de merecer essa honra, e o seu reinado se transformou somente num saco de dinheiro, que poderia mantê-lo em boa condição para o resto da vida. Sua imprudência, contudo, fez com que perdesse até mesmo esse benefício. Quanto ao segundo amigo, sua mudança interior alterou também sua sentença: sua benevolência fez com que merecesse acréscimo de vida, e sua sentença de morte se transformou apenas em uma cicatriz que o lembraria para sempre de seu destino avençado, para que nunca esquecesse de fazer sempre o melhor. Agora, os dois deveriam seguir em frente e (re)construir os seus destinos.
Hoje, essa história me leva a refletir que o nosso futuro, o que chamamos de destino, está sempre em construção. Não é um ponto fixo, ao qual devemos chegar. É uma estrada que se constrói caminhando.
Cada decisão que tomamos muda a nossa vida.
Se eu tivesse escolhido um outro curso, o que seria diferente hoje? Como o meu caminho teria se desdobrado? E se eu não tivesse aceitado aquele pedido de casamento? E se não tivesse mudado de cidade? Ou se tivesse mudado? Se aceitasse uma outra proposta de emprego, que daria um novo rumo à carreira? O caminho poderia ser hoje radicalmente diferente.
E mais do que isso: a maioria das decisões que tomamos e que mudam radicalmente a sua vida são feitas sem que tenhamos a noção das suas consequências e dos seus impactos, da importância que terão para o nosso futuro.
E se eu não tivesse resolvido dar aquele passeio de bicicleta, no final da tarde de domingo, que me levou a cair e fraturar o braço e ficar tanto tempo lutando para recompor-me física, mental e emocionalmente? E se não tivesse ido àquela festa que minha amiga insistiu tanto, e não tivesse conhecido aquele rapaz que foi tão importante em minha vida? E se não tivesse parado para ajudar aquela pessoa que, grata, me abriu várias novas portas em minha profissão. Assim como alguns momentos insignificantes mudaram radicalmente o destino, alguns tantos outros poderiam também ter mudado, se tivesse aceitado um convite, saído um pouco mais cedo.
O primeiro livro do grande romancista José de Alencar chama-se “Cinco minutos”, e conta a história de um rapaz que conheceu Carlota, o amor de sua vida, num dia em que se atrasou cinco minutos para pegar o ônibus que tomava todos os dias. Teve que esperar o próximo, e lá estava ela. O encontro avassalador marca a sua vida, e ele passa a procurá-la, buscando a mulher misteriosa que tocou seu coração. Não vou adiantar o restante da história, só enfatizo que aqueles 5 minutos de atraso mudaram para sempre a vida do autor, que tomou um novo rumo a partir de então.
5 minutos de atraso, uma esquina virada em sentido contrário, um trânsito inesperado, uma chuva que faz sair mais cedo ou mais tarde, uma parada singela para um café, uma visita que prende em casa e impede de sair, até mesmo um mal estar repentino. Pequenas circunstâncias que trazem mudanças, que não se pode prever ou controlar.
O que se pode controlar, na medida do possível e com muita luta, é a atitude que se toma diante de cada circunstância. Ela é que foi decisiva para decidir o destino dos dois amigos, e que pode mudar a vida de cada um. Não se pode mudar as circunstâncias, mas é sempre possível, e desejável, oferecer o melhor que se tem em cada momento, em cada encontro, em cada guinada e cada presente que a vida nos oferece. Sempre com verdade, autenticidade, gratidão, empatia e respeito. Sempre sabendo que cada atitude faz diferença, e que a semente do amanhã está sendo plantada em cada momento, inclusive hoje, agora, neste lugar. E é sempre possível mudar, melhorar, até mesmo o destino mais trágico.
De alguma maneira, a escolha é sempre nossa, e sempre atual!
Sempre pode melhorar! Então vamos começar, agora mesmo!