Viagens Transformadoras

Há alguns livros que são muito interessantes para quem gosta de caminhadas, e se propõe a fazer longas travessias. E há aqueles que são obrigatórios! Um deles é o livro “Viagens Transformadoras”, de Bárbara Lins.

O subtítulo já dá bem uma ideia do que esse pequeno livro representa para os caminhantes: “Como o Caminho de Santiago e outras jornadas mudaram minha vida”. Nele Bárbara faz um relato de uma jornada absolutamente reveladora e efetivamente transformadora, que acabou se constituindo um marco importante para a sua vida pessoal e profissional.

Como acontece com muitos de nós, a travessia começa em momentos de crise, confusão ou estagnação. Representa a busca por algo novo, melhor, mas, sobretudo, uma busca por si mesmo, por um “eu” que se perdeu no meio do turbilhão de compromissos, de relações e de prioridades estabelecidas no mundo lá fora. Um “eu” que já não se reconhece, que já não sabe o que vê quando se olha no espelho, e que precisa se reencontrar.

Partir em uma jornada, nesse contexto, é um (re) encontro. Com tudo o que ficou para trás, com aquilo que nem conhecemos, ou nem lembramos, de nós mesmos, com o que temos de mais valioso dentro de nós e no mundo lá fora. É preciso deixar tudo de lado, sair, passar um tempo fora de todas essas coisas, e então voltar, novo, inteiro, redescoberto.

Foi essa a jornada de Bárbara Lins. Dentro de um casamento e de uma carreira de indiscutível sucesso, ela era assombrada pelo vazio, pela falta de sentido, que sufocava e tirava o colorido de sua vida. Não se reconhecia mais. Ela se perguntava em que momento se perdeu daquela Bárbara que amava e que um dia tinha sido feliz.

Depois de algumas decisões importantes e rupturas necessárias, ela decidiu juntar os próprios pedaços e recompor o quadro que se havia perdido, para montar o quebra-cabeças de si mesmo. Optou por fazer a viagem que talvez seja a mais buscada e realizada por peregrinos do mundo inteiro: o Caminho de Santiago. Mas não foi uma viagem comum. Ela buscou o caminho primitivo, aquele menos procurado e mais difícil, com menos estrutura e maiores desafios. Era o que fazia sentido para ela naquele momento.

A jornada é bela, desafiadora, repleta de perdas, desencontros e reencontros. Os companheiros de jornada que lhe foram apresentados pelo caminho, aquelas pessoas que estão à margem, em algum ponto ou parada, mas que fazem toda a diferença naqueles momentos em que as forças parecem acabar e que todos os recursos se esgotam, dando novas esperanças e uma nova perspectiva. A falta daqueles que foram deixados em casa, e a ressignificação das relações com eles, vista por outro. São reflexões acerca de si mesma, da conexão com os outros, com a vida. Os momentos de alegria, de tristeza, de dor, os sorrisos, o choro, tanto de alegria quanto de tristeza e até de desespero, a emoção de reencontrar o que está perdido, em alguma etapa do caminho.

Cada pessoa que lê o livro encontra um próprio sentido em sua vida, em sua própria jornada. A mim tocou muito a ideia da mochila cheia de coisas, que pesa absurdamente nas costas, mas que não tem aquilo que precisamos. Bárbara diz que carregamos em nossas mochilas os nossos medos. Ela tinha medo de se perder, e por isso levou uma quantidade imensa de mapas, além de uma série de tralhas que se mostraram completamente inúteis no caminho. Ao longo da travessia o peso vai ficando cada vez maior, e o arrependimento torna essa carga ainda mais pesada e dolorosa. Descobre-se que tudo o que levamos de desnecessário pesa no corpo e na alma. Uma descoberta que vai para muito além da caminhada, segue para a jornada da vida. Por isso, um dos momentos felizes da jornada foi quando ela conseguiu se desvencilhar de parte do peso que levava, coisas que, retiradas da mochila, puderam encher uma caixa grande. E não fizeram nenhuma falta!

A conexão com os companheiros de jornada foi outro ponto que me chamou a atenção. Uma travessia que intencionava ser solitária e introspectiva foi compartilhada aquelas pessoas absolutamente aleatórias, colocadas em seu caminho pelo mesmo propósito, embora tenham sido completamente diferentes (ou nem tanto) os motivos que levaram cada um a esse momento. As interseções entre essas jornadas, os encontros que fizeram toda a diferença, que salvaram e deram sentido às trilhas que estavam sendo traçadas. As despedidas e o reencontro daqueles que concluíram essa etapa da caminhada. Todos esses encontros fizeram repensar as conexões com as pessoas que já faziam parte de sua vida, e de que forma esses vínculos foram feitos e desfeitos, construídos, rasgados e retorcidos. Como os laços em certos momentos se tornam nós, ou se esgarçam de forma a tornar impensável a sua retomada. E como novos vínculos se formam, de forma inesperada, e se tornam uma parte muito importante daquela etapa da jornada.

Não quero adiantar mais sobre o livro, para não estragar a experiência de quem for ler. Vale a pena começar com a mente e o coração limpos, buscando conectar a experiência de Bárbara com a sua própria, fazer a sua própria leitura e inserção dentro dessa história, que é um pouco da história de todos nós.

Bárbara tem o talento de nos colocar dentro da jornada dela, de nos fazer dar com ela cada passo, sentir cada emoção, rir e chorar com ela, compartilhar o desamparo e a superação. O reencontro de Bárbara consigo mesma é também o nosso, uma vez que nos presenteia com uma nova perspectiva sobre a vida, os valores, as conexões que estabelecemos e a forma como fazemos a nossa jornada.

Um livro obrigatório, não apenas para os caminhantes, mas para todos aqueles que buscam fazer da vida uma travessia plena de sentido.

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